
Ontem um estranho sorriu pra mim no ônibus, um sorriso sincero, de quem sorri de corpo inteiro, com um saudoso brilho no olhar de quem tem muito a contar.
Em uma fração de segundo o sorriso se converteu em embaraço e o brilho no olhar se nebliou. O estranho viu em mim alguém que eu não sou e seu rosto refletiu o que a mim não pertencia.
Pude me ver nesse estranho quando a memória me surgiram as vezes em que pensei te ver, me recordo das infinitas vezes em que iniciou-se um sorriso em mim para desfazer-se antes mesmo de sua concessão. Te vi em muitos rostos, gostos, jeitos e trejeitos...
Mas o grande paradoxo consiste em como, na realidade, nunca te vi sequer em você mesmo. O que enxerguei não foi nada além do que eu mesma projetei e articulei. Já perdi as contas de quantas vezes te criei e recriei...
Vivo no interior de um castelo, feito de vidro, ilusão e alusão. Por muitas vezes, quase quebrei o vidro do castelo, quase cruzei a fronteira que o separa das cores, contrastes, forma, solidez , do real. Mas sempre que ameaço sair do quase, me sinto tão vazia que preciso voltar. Pois, a verdade é que não sou eu quem vive no castelo, o castelo é que vive em mim. Então eu volto... Volto pro que sequer existe, pra reaver o que nunca tive e reviver o que nunca vivi.
(Texto de autoria desconhecida)